A mulher de Barcelos (numa Feira em Novembro de 1910)
Tipo de mulher de Barcelos |
A mulher de Barcelos
Já Camilo afirmava que as moças de Barcelos levavam de
vencida as lindas mulheres das redondezas no rosado da face, na robusta
elegância do corpo e na viçosa alegrai.
Ante olha-se à nossa rotina uma interminável coleção de
desenvoltas moçoilas que põem a cabeça humana à razão de juros.
Morenas, de andarem ao sol, e loiras gentis, ligeiras, em
passo ritmado saracoteiam-se pelo campo.
As saias balouçam-lhe ao de leve nas curvas das pernas
tentadoras.
Mimosos palmos de cara, virgens da maquilage, emergem dentre boleios esparsos dessa camisa de alvo linho.
Vendedeiras de cereais |
Clarões luminosos brincam doidamente em rosto oval.
A cada canto deparam-se-nos: olhos microscópicos, contas de
rezar: grandes, amendoados, que tentam saltar das órbitas.
Há-os negros cintilantes, misteriosos, verdes como os da
Joaninha de Garrett; e azuis duvidosos, incertos como as águas do mar.
A vista embriaga-se na orgia da coloração quente que os
vestuários da camponesa exibem.
O lenço de cores
garridas encoifa-a até à nuca e as pontas caem-lhe como duas asas de andorinha
nas orelhas.
Vendedeiras de rocas |
O ouro - a eterna
tentação dos conversados que procuram noiva rica - numa plethora de grossos cordões, cruzes com Cristos crucificados em
seios ardentes de volúpia, e corações luminosos faíscam sob um pescoço de
cisne.
É o chique, o luxo da aldeã.
Isenta de artifícios não tem as poses estudadas ao espelho
da burguesinha petulante.
Liberta-se da moda que leva a citadina ao uso da toilette provocadora, exageradamente entravée.
Como lhe fica bem, mesmo a matar, a saia de baeta crepe,
sobra as anáguas a espreitarem gaiatamente.
Surpreendida na toilette |
Jamais empregaram, louvado Deus, o cinto estético - anti-obeso, ou ingerirem a inovação medicinal das pílulas Orientais para o desenvolvimento dos seios - úberes benditos que alimentam um rebanho de becos.
O corpo anda livre, à vontade.
É a natureza exuberante de viver entoando um hino glorioso à
liberdade.
Almas simples em arcaboiços palpitantes de seiva.
Quando muito, pelo S. Miguel - ultimada a quadra das
colheitas - dirigem-se de preferência à praia de Apúlia - banco de encantos.
A estação balnear é efémera, quinze dias o máximo.
Arredadas dos trabalhos agrícolas tratam então o corpo.
A consciência, essa, descarrega-a o sr. abade.
Mercando a loiça |
São estas mulheres que procuram rapazes colossos de força,
que a mais das vezes, acossados pela miséria, aportam às plagas de além-mar.
E os braços musculosos, que escasseiam no fabrico das
terras, têm por continuadores da tarefa quotidiana - a aldeã.
Ei-la, desde o romper do sol à boca da noite, a revolver, a
golpes de enxada, o ventre fecundo das leiras férteis.
Chegada a época das romarias,
por um sol abrasador, ao som da viola braguesa, baila e canta estradas fora, de
sorriso radiante de alegria na curva dos lábios amorangados.
O descanso da lavradeira |
Barcelos, novembro, 1910
Domingos Ferreira
(Clichés do sr. Augusto Soucauissaux)
In Ilustração Portuguesa, nº266, 29 de Março de 1911