À volta das hortas
"É de tradição em todas as cidades o axioma de que são
divertidíssimos os passeios campestres; e, portanto, em toda a parte também é
de tradição que aos domingos a população operária e burguesa se arroje para
fora de portas.
Em Paris a população transborda para Romainville, Ivry,
etc., em Lisboa vai até à Senhora Santa Ana, ou dá uma passeata para os lados
de Chelas.
Assim, também é de muito bom tom na sociedade elegante ir-se
estar uns dias em Sintra, assim como a sociedade elegante de Paris corre
pressurosa à Suíça.
Ora devemos dizer que este amor dos campos e da natureza é
pura e simplesmente convencional.
O homem é um animal de hábitos, e, a não ser algum poeta ou
algum artista que se entusiasme verdadeiramente pelas paisagens grandiosas e
pelas balsâmicas aragens, que procure o imprevisto e a novidade, a maior parte
dos que vão fazer a sua villeggiatura transportam para o campo os seus
hábitos da cidade, e não veem outros horizontes senão os que levam de Lisboa.
O fashionable transporta para Seteais o Passeio
público, o burguês leva para Chelas o seu quarto reservado da
taberna da esquina, o operário para lá muda a enfumaçada tasca onde vai todas
as tardes beber os decilitros de rigor. (...)
De tarde, aos domingos, volta das hortas a turba dos amantes
da natureza.
Cara alegre, chapéu para trás, passo oscilante, deslizam os
ranchos de famílias que se regalaram de peixe frito, e beberam à farta do bom
sumo da uva.
Foi neste período da sua excursão que os apanhou o
espirituoso lápis do nosso grande desenhador Manuel de Macedo."
Pinheiro Chagas
Fonte: "Almanach das Artes e Letras"
- nº 2 – 1875 (texto editado e adaptado)
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Relacionado com este tema, sugerimos a leitura deste texto:
Os Alfacinhas e os Retiros das Hortas
Os lisboetas tinham outrora o curioso costume de irem passear às hortas que era, como quem diz, retirarem-se da cidade para poderem gozar um pouco dos prazeres do campo, geralmente aos domingos.
Deliciavam-se então com os piqueniques familiares que organizavam ou simplesmente almoçar nas velhas “casas de pasto”, assim designadas por inicialmente apenas darem as forragens aos animais enquanto os donos negociavam na feira. Em muitas delas, ainda se conservam as argolas que prendiam os animais.
Com o decorrer do tempo e vendo a oportunidade de negócio, os proprietários das “casas de pasto” passaram também a dar de comer aos donos dos animais e assim floresceu um negócio que veio a dar origem aos modernos restaurantes e snack-bares.
Outras, porém, mantiveram parte das suas características iniciais e adquiriram fama pela clientela que atraíam. Eram os chamados “retiros das hortas”, muito apreciados da burguesia citadina. Ler+