Profissões e trajes de Lisboa antiga (1938)

O fim do Mercado de São Bento – Lisboa (1938)

“O velho Mercado de São Bento vai desaparecer para dar lugar a coisas mais belas e oportunas.

Com 57 anos de idade - completou-os no dia 1 de janeiro - não pode dizer-se que morre muito criança.

Para um mercado que não evoluiu é a decrepitude. (...)

No terrado podiam instalar-se centenas de vendedores com as suas mercadorias.

Davam entrada para o Mercado três vistosos pórticos de ferro que os críticos de há meio século classificaram de «incontestável beleza».

Na parte central havia um pequeno jardim triangular em cujos vértices haviam sido colocados marcos fontenários para serventia pública.

Nada ali faltava. O Mercado era um verdadeiro mimo, e como tal deveria ser considerado pelos moradores do sítio.

Encontravam-se ali lugares de frutas, hortaliças, aves, carne, peixe, bebidas e toda a espécie de víveres tabacos, louças, objetos de vestuário, calçado e muitos outros artigos.

Quem é que se não lembra ainda do homem das agulhas e alfinetes com a sua numerosa bagagem sempre cheia de novidades tão úteis como o pão para a boca?

 

Vendedor de agulhas e alfinetes


 E, por falar em pão. Estamos a ver ainda o padeiro de barrete com o seu cabaz característico, numerado como um presidiário.

De balança em punho, como a figura austera da Justiça, procurava sempre equilibrar o fiel sem grave prejuízo para o consumidor.

Uma questão de jeito e balanço de ilusionista na balança.

É que às vezes o pão tinha nas suas entranhas cavernas tão extensas que se, hoje em dia, algum sábio geólogo as visse, não hesitaria em lhes atribuir uma antiguidade pré-histórica.

Se nos lembramos!

Havia pães que apresentavam furnas no interior abençoado muito semelhantes às que atualmente se admiram nas pedreiras da Fonte Santa.

Um padeiro numerado

Quem não se lembra ainda da mulher que vendia calçado e andava sempre descalça? Boa mulher - coitada! - vinha de longe com um cabaz à cabeça, apregoando, na sua voz sonora que mais parecia um cântico, o rico calçado para todos os pés, menos para os seus que não queriam, pelo visto, perder o contacto com as pedras da calçada.

 

Vendedeira de calçado


E o peixeiro? Pouco ou nada mudou, a não ser no ar que vincava uma época.

É certo que hoje ainda é costume soprar as pescadas, mas nesse tempo fazia se isso com mais limpeza e ingenuidade, tanto da parte de quem vendia como de quem comprava.

 

Um peixeiro


Mas como isso vai longe!

O Mercado de S. Bento vai ser demolido, e - francamente - não nos deixa saudades.

(...)”

Fonte: "Ilustração", nº291 - 1938

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