As varinas de Lisboa vendem cantando pregões!
A varina de Lisboa
“Lisboa conhece-a e ama-a porque ela é trabalhadora
e a acorda com os bons dias dos seus cantados pregões.
Começa de pequenina na faina e para ela o trabalho
não é um fardo. Fá-lo alegremente correndo as ruas.
Não há rua que não tenham atravessado vendendo o
peixe, a fruta, os alhos, a hortaliça, garganteando o pregão, com os
chapelinhos redondos sobre os quais pousa a sogra, na qual assenta todo o
carrego.
Chegam a ser pesos enormes os que transportam, que
as ajoujam, ou as grandes gigas onde
as pescadas jazem, as canastras das sardinhas prateadas,
ou cheias de frutas de todas as estações, as peras, as maçãs, os figos lampos,
que elas vendem todos os dias, de manhã à tarde, algumas ainda pela noite
adiante, com as suas cestas de marmelos assados no forno.”
"A varina também
carrega areia, tijolos e carvão nos cais de Lisboa.
Quando não há
peixe, quando falha a fruta, ela não hesita: vai carregar a areia, os tijolos,
o carvão nos cais.
Carreirinhos de
mulheres de todas as idades, as velhinhas e as crianças, avós e mães, sobre as
pranchas flexíveis das fragatas para a ferra, se estabelecem com todo o tempo e
ou queimadas pelo sol ou alagadas pela chuva, continuam o seu fadário, até que
à noite recolhem a comer o seu pão rude e honestamente ganho.
O casamento
para elas não é uma exploração da fêmea; é uma associação.
Enquanto o
marido vende os jornais ou rema nos catraios, dirige as fragatas ou faz o seu
negócio, a mulher, independente, não carecendo do braço dele, governa a sua
vida sem um desfalecimento, sem uma queixa, sem um abalo."
Varina vem de ovarina!
Nos seus bairros porque
as ovarinas juntam-se, ainda num ancestral instinto
em arruados, à maneira de colónias – às tardes de domingo, depois da venda
feita, elas estão sentadas às portas remendando a roupa, cosendo, atentas e num
habito, para não perderem nada, aqui e ali, de porta em porta, há a giga que
pode tentar os que passam e o alguidar dos tremoços, a caixa com as pevides,
enfim, coisas que se vendem ali sem trabalho.
A sua economia iguala ao seu
asseio, porque aquelas peixeiras, as vendedeiras de fruta, as mulheres de todos
os trabalhos, jamais deixam de sair de casa com o seu trajo limpo.
1.- Soprando a pescada. 2.- Esperando o peixe. 3.- Uma manhã no mercado. |
Fonte: “Ilustração Portuguesa”, nº339, 19 de Agosto de 1912 | Clichés de Benoliel