Celebração da Páscoa no Minho, antigamente (1909)
A procissão de domingo de Ramos
"E foi às
dez horas, sob a passagem do dever quaresmal, que a procissão de Ramos,
cerimoniosa e diversas, apareceu no adro, cercada de palmas, entre as rendas do
clero, os arminhos do clero, as ametistas caras do clero.
Em verdade, parecia, de novo, que Jesus de Nazaré voltava a seio dos homens, magro, claro e de cabelos longos; parecia que, como há quase dois mil anos, entre as palmeiras do vale de Siloé, legiões judaicas, sólidas e vitoriosas, o cobriam de boas palavras, lhe alagavam de rosas a poeira seca do caminho."
Visita às casinhas do Senhor
"Doce e
suavemente magoada correu essa quinta-feira santa da minha terra.
Às dez horas
abriram, nos templos, as «casinhas do Senhor» - largo pretexto para largas
despesas familiares, em vestidos de faille, sedas adamascadas, calçado de
polimento e sevilhanas de renda."
Em cada igreja, (completamente cerradas a luz do dia) brilhava o altar central numa alta escada de lumes amarelados, numa indolência de luz amolecida ..."
Uma matraca
"Cá fora,
a matraca da Colegiada batia as ferragens, áspera, ralhando (como no tempo da
Inquisição) entre os relevos das cimeiras velhas - e um céu de cinza, levemente
frio, caracterizava o dia da celebração, assim enevoado e amargo."
Um Judas
"Quando se
abriram as portadas para as primeiras compras da manhã, suspendiam-se, em
várias ruas, de janela para janela os judas do povinho - altas figuras de
cabeleira de estopa, com a saca dos «trinta dinheiros» e vestidas de papel de
cor.
Duma das pernas
de cada espantalho saía o rastilho de pólvora; e caricaturais, s1mbolizavam
esses ridículos judas aquele outro Judas, discípulo e traidor de Jesus, o filho
de José.
Os sinos badalavam à aleluia quando já pelas ruas se notava um curioso movimento festivo, e na Colegiada corria a solenidade do lume novo."
A queima de sábado de Aleluia
"Então, sob o
repique divertido, e sob o sol benéfico, os fantoches da Aleluia começaram a
estoirar, num tiroteio seco e forte.
Alçavam-se
longas labaredas sobre os corpos de palha centeia, semeados de pólvora
bombardeira, com um saco de dinamite no lugar dos miolos.
E este espectáculo idiota fazia rir uma multidão parada e satisfeita.
As roscas de
pão branco
Nos arruamentos do mercado, sobre os cabazes, as roscas de pão branco disputavam-se na pregação das madrinhas, dos afilhados, das comadres."
Um afilhado feliz!
"Um garoto vivo, tipo de hábil jogador de bisca sueca, tomava no braço a rosca de cornos da consoada;"
As prendas dos
namorados
"E pares de dandis, meninos da briosa, senhoras românticas da cidade presenteavam-se com os bibelots da feira da aleluia."
"Em
domingo de Páscoa os compassos paroquiais saíram pouco depois do sol levantar,
sobre as montanhas, o seu largo voo doirado.
Ao ser dia
ouviram-se os foguetes (uma dúzia dos de «respostas») anunciando que saía ao
terreiro da igreja o abade, com os irmãos da confraria do «Santíssimo».
Na frente,
o sacristão, com um lenço de chita envolvendo-lhe a cabeça, e deixando cair
sobre todo o braço esquerdo a cruz de prata da paróquia.
Depois, os
garotos da aldeia, descalços e de opas vermelhas, tangendo as campainhas de
cobre.
O mesário
levando a caldeira de prata da água-benta.
E, distantes, rijos e anunciando, os homens da caixa de rufo e dos bombos festeiros."
(Em construção)