Os Borracheiros - costumes da ilha da Madeira (1896)
Os borracheiros
"Assim são
conhecidos na ilha da Madeira os vilões
que transportam o vinho novo das freguesias rurais para a cidade, através das
serras.
O vinho vem em borrachas, como lá dizem, o que em
Portugal se chama odres.
A sua
capacidade regular é para dois almudes.
Cada vilão
trás uma borracha às costas, amparada por uma correia de couro que lhe dá a
volta à testa, tal como a um boi de canga.
Não é porém o
peso o maior tormento deles durante a jornada. É, sim, o calor dos odres,
porque o vinho vem em mosto, fervendo.
Temos dó desses
pobres diabos quando passam junto de nós, vermelhos como lagostas cozidas,
encharcados e pingando de suor. Contudo, sempre um deles vem cantando: é do
estilo.
O transporte assim
é ainda o primitivo, como veem, e não se pode fazer doutro modo porque não há
estradas e a ilha é de natureza alcantilada.
A impressão
imediata que o leitor sentiu ao ver a gravura - uma leva de borracheiros entrando no Funchal -
acordou-lhe certamente a lembrança das caravanas de carregadores negros, numa
fila única, extensa e equidistante, como as vemos nas estampas dos livros dos
exploradores africanos.
Pois essa
impressão não o enganou.
Neste uso há
também a influência hereditária. Os primeiros colonos madeirenses (diz Gaspar
Frutuoso, o mais antigo cronista insular), foram: sentenciados da metrópole,
cativos mouros e negros africanos.
E destes
últimos os vestígios étnicos são ainda manifestos na fisionomia, sobre tudo,
dos vilões
de certas freguesias.
H. das Neves"
In "Branco
e Negro", nº27 - Outubro de 1896