A vida dos marinheiros do Rio Douro (3)

«Barco rabelo carregado de pipas, atracando ao cais da Carvoeira, no Porto


«(…) Nos «barcos rabelos» ao passar nas graníticas «galeiras» do «Escarnicha» que, como outras colunas de Hércules, defendem a infortunada «Terra do Vinho» - eis que das «apégadas» grita o «mestre»:

- Bota fora o Frade!

E nisto o moço do barco empunha a «trombeta» e dela tira sons que levados de ribanceira em ribanceira vão ao longe ecoar…

Por detrás da montanha, na margem esquerda, em lugares populosos antigamente, vivem quase em alfobre as famílias da «maruja» do Douro.

Ao ouvirem esse sinal, as famílias dos «marinheiros» ausentes vão postar-se à espreita e mal hão reconhecido os seus, eis que por atalhos, verdadeiros carreiros de cabras, descem até ao rio e os «marinheiros» do barco deixam de remar no «pego» e atracam na praia.

«Barco rabelo» a subir o Douro em frente ao Porto


E é do abraço dos velhos pais já decrépitos, das mulheres que os filhos trazem ao colo ou das namoradas que ficam chorosas com os lenços a acenar, que os «marinheiros» tiram a energia e arranjam também a fé para lutarem.

O golpe de misericórdia há muito que os quase matou: desde que o silvo da locomotiva despertou este país assinalado, esta privilegiada zona do «Vinho do Porto», que é tanto mais fino quanto melhor ouvir «ranger a espadela».

Os «marinheiros» desafiam com o punho cerrado o comboio que passa veloz contornando os montes em curvaturas do seu caminho de aço; para se vingarem dele que os lesou profundamente, fazem jura cumprida de nunca embarcarem nesse engenho que traz o «demónio dentro». 

Agarrados ao seu ofício, numa criminosa indiferença a tudo o que não seja o seu «barquinho», são exemplo firme de tenacidade, heróicos no seu labutar constante, apaixonados, vivos, crendeiros e fieis!

E foi com homens desta têmpera, cheios de carácter, inflexíveis e rudes, que Portugal foi grande!»

Amílcar de Sousa - Cheires – Alto Douro – 7-3º-1906

Texto (adaptado à grafia actual) e fotos: Illustração Portugueza – nº9 S/d (1906)

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