As Varinas nos quadros de Manuel de Macedo
"Profunda
e caracterizadamente nacional, a arte de Manuel de Macedo veio, com a exposição
dos seus trabalhos, ultimamente realizada na Sociedade de Belas Artes, mostrar
aos que facilmente se esquecem da sua terra, que para se ser grande não é
preciso ir buscar ao estrangeiro os exóticos processos tanto em uso neste
momento em Portugal.
Manuel de
Macedo, inspirando-se constantemente em assuntos portugueses, soube como poucos
deixar uma obra que merece a nossa mais carinhosa admiração, não só pela beleza
de que a impregnou e pelo grau de perfeição que atingiu, mas também - e
principalmente - pelo que representa de valioso sob o ponto de vista
documental.
Levar-nos- ia
longe um exame demorado ao grande numero de trabalhos que ali foram expostos.
É de esperar
que alguém um dia dedique ao artista magnífico o cuidadoso estudo que a sua
obra merece.
Por nossa
parte, queremos apenas acentuar a paixão do artista por essa figura airosa que
atravessa a cidade e a enche com os seus pregões - a varina.
Manuel de
Macedo desenhou-a em todas as atitudes e em toda a parte, nas várias fases da
sua labuta, e fê-lo com o escrupuloso interesse e o alvoroçado júbilo de quem
encontra nela o seu motivo predilecto, seduzido pela harmonia das linhas, pela
curiosidade do vestuário ou pela graça do andar, canastra à cabeça, a saia
arregaçada, as pernas nuas.
O seu donaire e
a sua desenvoltura foram surpreendidos pelo artista e fixados no papel em meia
dúzia de traços simples ou numa pincelada fugitiva de gouache, sem amaneiramentos de forma, sem o mais ligeiro
desequilíbrio ou o mais desculpável artifício.
Ora espreitando
ao fundo de uma rua, ora em pleno mercado, num canto da praia ou sozinha em
qualquer esquina, junto da ombreira duma porta e sentada à beira de um passeio,
ela aparece sempre nas pinturas e nos desenhos de Manuel de Macedo como um
curioso motivo de decoração e também marcando o lugar, acentuando a orientação
nacionalizadora, lusitaníssima da sua obra.´
Poucas vezes,
pouquíssimas vezes, um português se deixou levar assim por um tão acentuado e
louvável patriotismo.
E porque portuguesa
como poucas, é a obra de Camilo, logo Manuel de Macedo se sentiu seduzido por
ela, procurando interpretá-la através do desenho nas ilustrações surpreendentes
de verdade histórica da Sereia.
A sua honestidade
de artista ia tão longe que às suas varinas nem sequer as fazia lindas,
copiando-lhes os traços duros, trasladando para o papel as suas feições
irregulares, no desejo apenas de fazer arte - tão diferente daquela que obrigou
recentemente certa menina a mascarar de varinas as elegantes da Femina ou os modelos de Fabiano colhidos
na Vie Parisiene.
O mestre pintor
Columbano bem o compreendeu ao escolher um desses quadros para o Museu de Arte
Contemporânea.
E pena é que os
restantes não possam constituir uma galeria pública, para enlevo e estudo de
quantos, artistas ou não, precisem de aprender neles a desenhar e a amar a sua
terra."
M.S.
"Ilustração
Portuguesa", nº946 - 5 de Abril de 1924