Dr. José Leite de Vasconcelos, arqueólogo e etnógrafo de renome

Dr. José Leite de Vasconcelos

No número do Diário do Governo, correspondente ao dia 11 do actual mês [Agosto de 1913], acha-se publicada uma portaria do teor seguinte:

«Tendo o ministro da Instrução Pública feito uma demorada visita ao Museu Etnológico Português, da qual trouxe a melhor impressão pela ordem, método e orientação científica que presidem à disposição das suas diferentes secções: manda o governo da República Portuguesa que ao director do referido Museu, dr. José Leite de Vasconcelos, seja dado público testemunho do louvor que lhe merecem a sua notável competência e o desvelado interesse que tem empenhado no progresso do Museu a seu cargo e no constante aumento e valorização das suas coleções.”

Este diploma, à parte a sua redação que se impunha muito mais acurada, vale como acto de justiça, fundamente legitimado.

José Leite de Vasconcelos, filho de pais não ricos, venceu em condições difíceis os estudos preparatórios e conseguiu mais tarde frequentar a Universidade de Coimbra onde, por fim, concluiu formatura na Faculdade de Direito.

O amor de saber, a paixão dos livros e o trabalho persistentíssimo tem sido as únicas armas do seu triunfo, através contrariedades económicas de todo o lote.

Esta é a verdade, verdade autêntica, por se basear em factos.

Entre, porém, a sua nomeação oficial para cargos públicos, bem e mal remunerados, e o reconhecimento dos seus méritos não mentidos, quanto caminho haverá percorrido no silencio de desilusões e desenganos e até por mais de uma vez com deficiência de passadio e de fato?!

Prepondera no seu espirito o ideal arqueológico e nele, a essa luz do passado remoto, brilha o seu nome com obras de erudição facunda e em aquisições de alto apreço documentativo.

A tal espécie pertencem os barros e vidros aqui representados em estampa, que o sr. António Eusébio Benito Maçãs, de Portalegre lhe ofereceu recentemente após uma visita de Leite de Vasconcelos ao lugar de Aramenha, freguesia do concelho de Marvão, distrito da cidade mencionada.


Barros e vidros do século I descobertos em Aramenha

Em dezembro de 1890, havia em Aramenha 581 fogos, habitados por 2.438 indivíduos, dos quais eram analfabetos 1.138 do sexo masculino e 1.136 do sexo feminino!

Sem a interferência de António Eusébio é claro que estaria privado, talvez para sempre, o Museu Etnológico Português dos barros e vidros encontrados na humilde povoação e que abrangem pratos, jarrasinhas, copos, frascos, taças, etc., ao presente expostos em devida instalação pelo dedicadíssimo arqueólogo Leite de Vasconcelos.

Agora mesmo estão diante de mim, na banca em que escrevo, diversos números de O Arqueologo Portuguez, publicação do Museu, que muito lhe deve, uma lição inaugural - Da importância do Latim - dos seus alunos da Faculdade de Letras, e o folheto Deuses da Lusitania (Resposta às fantasias de um censor).

A sua obra capital, contudo, é a intitulada Religiões da Lusitania, assaz conhecida não só no país mas também no estrangeiro.

Há anos, quando morreu o sábio alemão que por inteiro, levou a efeito a versão de Camões, o dr. Leite deu à estampa um belo e interessante volume em cujo rosto se leem estas palavras - O Doutor Storck e a Literatura Portuguesa.

Este volume foi impresso na Academia das Ciências, de que o autor é sócio.

Exerceu também, com proficiência consumada, o cargo de 1º conservador da Biblioteca Nacional.

Oxalá ele possa realizar todas as suas aspirações.


Porta que foi demolida da antiga Medobriga, hoje Aramenha, povoação onde foram descobertos os objectos de barro e vidro do século I

D. Francisco de Noronha

Fonte: “Ocidente”, nº 1248 - 1913

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