Parada Agrícola de Vila Franca de Xira, em 1907

Desfile da Parada Agrícola

Cliché Benoliel

Esteve em festa a pitoresca e antiga vila que D. Sancho I fundou na margem direita do Tejo a uns 14 quilómetros a E. de Lisboa, em extensa planície, que aquele monarca doou aos flamengos, para nela se estabelecerem, dando-lhe todas as franquias, de que lhe provem o nome de Franca, e o sobrenome de Xira, corruptela de Cira, como então se denominavam os terrenos de matagal inculto.

Gloriosa é a sua história pela parte que sempre tomou nas guerras desde os primeiros tempos da nacionalidade portuguesa até as lutas que precederam a implantação do actual regime, e se isso não basta se para a notabilizar entre as terras deste reino, mais tem ainda de que se orgulhar por ter sido berço desse ínclito e assombroso vulto da história pátria, que se chamou Afonso de Albuquerque, e que, em 1453, nasceu na quinta do Paraíso situado entre esta vila e a de Alhandra, do seu concelho.

Vila Franca parece querer ressurgir aos seus tempos áureos de importante centro comercial, e que o caminho-de-ferro, pondo-a em mais fácil comunicação com a capital, desviou para esta.

Contudo não perdeu a vantagem de ser o celeiro da nossa província da Estremadura, pois ali arrecada as colheitas da grande cultura das Lezírias, que lhe ficam fronteiros no Tejo.

E essa vantagem que melhor afirmou agora com a grande parada agrícola que realizou, promovida pela camara municipal e uma comissão de lavradores e pessoas mais importantes do concelho.

Em 1889 assistimos a uma parada deste género, que se realizou em Elvas para festejar a visita àquela cidade de suas altezas, então, o príncipe D. Carlos e a princesa D. Amélia.

Foi a primeira festa agrícola que, com tanto luzimento, se fez no país.

A parada de Vila Franca, que se realizou no dia 12 do corrente, será a segunda de que temos noticia, assim importante, em que a lavoura de uma determinada região se representasse com as suas melhores forças produtoras.

Passou de vinte o número de carros alegóricos que figuraram na grande parada com que tomaram parte um grupo de 60 ceifeiras com seus trajos característicos, assim como trabalhadores do campo e os valentes campinos das Lezírias com seu elegante vestuário de calção e meia, cinta, colete curto, jaqueta ao ombro, barrete, tudo em grande profusão de cores e empunhando as compridas varas guiadoras do gado.

As Ceifeiras

Cliché J. Camacho

Eles constituíam um dos números da festa mais pitoresco e ao mesmo tempo mais varonil.

Os carros alegóricos eram na sua maior parte decorados com motivos agrícolas, em que figurava toda a alfaia da lavoura, assim como produtos da mesma.

Alguns, da Companhia das Lezírias, apresentavam modelos de choupanas e casas rusticas, mas o que mais se distinguiu pelo bom gosto e arte de sua decoração foi o do lavrador sr. Carlos José Gonçalves que representava uma herdade com duas casinhas, horta e terra de semeadura, galinhas e outros animais de criação, não faltando o cão de guarda e dois campinosinhos a caracter, que eram duas bonitas crianças, filhas do sr. Gonçalves.

Carro do Lavrador sr. Carlos José Gonçalves

Cliché J. Camacho


Havia mais: um carro da Cerâmica, da fábrica da Alhandra, o da fábrica de lanifícios da mesma terra, o da pesca, de Vila Franca, o da Industria, o do Comércio e Indústria dos srs. Eduardo Reis e João Pereira, o da Câmara Municipal, etc.

Varias filarmónicas do concelho abrilhantaram a festa com o seu concurso, e de Lisboa foi a banda da Armada.

A parada, formou-se no largo da Estação donde se desenvolveu percorrendo as ruas Serpa Pinto e do Cais, praça Afonso de Albuquerque, rua do Alegrete e Campo da Feira, dando volta para entrar de novo na rua do Alegrete e seguir pelas ruas das Pedras e do Curado, onde destroçou.

As ruas e praças estavam orladas de renques de pequenos pinheiros por entre mastros de bandeiras e festões de verdura formando decoração assaz pitoresca e apropriada.

De muitas janelas pendiam ricas colchas de seda que davam certa opulência à festa, além das senhoras que ocupavam essas janelas e com suas ricas toiletes e formosura, mais a animavam.

O concurso de povo foi enorme pois ali convergiu muita gente das terras vizinhas e de Lisboa.

A camara e comissão dos festejos que promoveu esta manifestação de vida da agricultura do Ribatejo compõem-se dos srs:

José Dias da Silva, dr. Afonso de Sousa, dr. Francisco Assis, Thomaz de Sousa Pereira, Júlio Cesar Correia dos Santos, Carlos José Gonçalves, José António de Sousa, Beja da Silva, Augusto Chamusco, João Luiz de Sousa, António Dias da Silva, dr. Gens de Azevedo, José Augusto Ferreira, José Joaquim Benito, Marciano Franco, António Luiz Lopes, Raul Rodrigues Leitão, Manoel Simões da Silva Marques, Frederico Torres, Joaquim Mendonça, Manoel Bezzina, Thomaz Bezzina, Filipe Guimarães, Joaquim Vidal, Carlos Alberto, Cardoso Gonçalves, Manoel de Sousa Neves Júnior, José Ribeiro Tomé, José António Mendonça, Joaquim Paulo Araújo, Joaquim Câncio, dr. Olímpio da Silva, José Jorge Carreira, Thomaz Ferreira Bezzina, João Pereira Filipe, Domingos Pinto Ferreira, Marciano António Marques e João Gonçalves Baptista.

Carro da Fábrica de Lanifícios de Alhandra

Cliché Benoliel


Fonte: “Occidente”, nº 1022 – 20 de maio de 1907 (texto editado e adaptado)

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