As vindimas em Murça (1894)
Cenas da vindima em MurçaNa Quinta da Noria, propriedade do sr. José Duarte de Oliveira |
(Cópia de uma fotografia do fotógrafo amador Sr. Emílio Campos)
Murça, a mais conhecida vila de Trás-os-Montes, talvez porque a informe
porca de pedra que adorna a sua
praça irregular lembra uma tradição romântica, apresenta um aspecto
completamente novo, uma feição perfeitamente desusada, durante os meses da
vindima.
A pacata vila
transmontana alegra-se e como que se veste de gala, nessa risonha época do ano.
Nos campos que
a rodeiam, plantados de bastas vinhas, bandos de raparigas, cantando o Mané
Chine e o Bico do Sabiá, enchem as cestas que alentados moços despejam em
grandes dornas.
Pela rua
principal, parte da estrada que liga Vila Real com Mirandela, chiam os
carros conduzindo as dornas aos lagares, passam constantemente homens ajoujados
com odres cheios de mosto, vêem-se agrupados os lavradores conversando uns com
os outros acerca da produção da uva, da qualidade e preço do vinho.
Dos lagares, à
noite, ecoam os cantares, meio selvagens, meio melancólicos, da rapaziada que
pisa o vinho, procurando entreter as longas horas em que, num incessante
caminhar no mesmo sítio, vai reduzindo a líquido os formosos cachos que ainda
há pouco pendiam das ramadas virentes ou das robustas videiras que enriquecem
as propriedades circunvizinhas.
Os que visitam
os lagares distribuem cigarros aos rapazes, que, em paga, levantam vivas aos
visitantes, seguidos do hino da Carta
e da Marselhesa, que a sua política
é para todos os paladares, contanto que tenham que fumar de mofo.
Acabadas as
vindimas, enquanto o vinho ferve nos tonéis do sr. José Duarte, do sr. doutor,
do sr. visconde, a vila torna à sua pacatez habitual.
Pelas ruas, a
maior parte delas atapetadas de tojo que se converte em adubo para as terras,
apenas vagueiam, grunhindo e pastando, os recos, que assim se chama ali aos porcos.
Pelos campos,
não se encontra vivalma, vendo-se tão somente erguer-se por toda a parte a
escura e triste videira despojada de cachos e despida de folhas, como que
chorando a sua pobre viuvez.
(...)
R. de L.
Fonte: "Occidente", nº571 - 1 de Novembro
de 1894 (texto editado e adaptado)