Varinas, vendedeiras de peixe | Tipos portugueses
Varinas, vendedeiras de peixe
"Há na
sociedade certos tipos, principalmente os do género feminino, que, por
circunstâncias especiais, atraem à roda de si um grande número de entusiastas,
assim como na pintura as produções de diversos géneros, por circunstâncias
análogas, tem o seu grupo de amadores. (...)
Na verdade, que
homem, a não ser algum admirador da esterilidade, haverá ali de tacto fino e
inquieto, que não ame a natureza desenvolvida?
É por isso que
não poucas vezes, sem o quererem, se vão os olhos nalgumas dessas filhas de Aveiro e Ovar.
Tipos portugueses - Varinas, vendedeiras de peixe.Desenho de Nogueira da Silva - Gravura de Coelho Júnior |
Aos entendidos
na arte agradam geralmente essas mocetonas, essas figuras esbeltas e
musculosas.
Simpatiza-se
com a mobilidade natural daquelas frontes trigueiras e espaçosas.
Magnetiza a
viveza dos olhos redondos e salientes.
Fazem perder a
cabeça os requebros de graciosa naturalidade daqueles corpos flexíveis.
Estremece-se
com o estremecer daqueles músculos relevados e luzidios.
Diz-se que as
varinas são verdadeiras Mallakoffs,
praças invencíveis para soldados que não forem dos seus e da sua classe.
Não se lhes
deve levar isso a mal; é, antes, mais um motivo para gerais simpatias.
Uma mulher
arisca, uma mulher travessa, uma mulher independente, são todas mulheres por
que muitos gostos se inquietam, por que muitos morrem, por que muitos
endoidecem.
Se se prezam,
exaltam, admiram a honra e a liberdade, muito mais se devem prezar, admirar e
exaltar numa mulher.
Efectivamente
naqueles corpos armaria bem uma saia balão; assentaria melhor, talvez, naquelas
pernas uma fina meia de seda; com facilidade se amansariam aqueles pés bravios
a umas botinhas de salto e laçarote; ficaria a matar um canesú de blonde naqueles seios palpitantes; não seria fora de
propósito perfumá-los com os rescendentes aromas da água-de-colónia e do patchouli.
Mas, se tudo
isto havia de aparecer custando o oiro da corrupção, antes as vejamos com seus
modestos saiotes de ganga azul, com os seus lenços de paninho riscado, e
cheirando mal a peixe.
Para os que não
forem desta opinião, e tiverem o olfato delicado e difícil de contentar, lhe
oferecemos um exemplar sem cheiro. (...)"
in
"Arquivo Pitoresco", nº25 – 1857 (texto editado e adaptado)